segunda-feira, 1 de outubro de 2012

"As cartas de amor de Edith Piaf"

Alma de Piaf é leiloada em Paris


                         Existe algo mais íntimo do que cartas? No mundo contemporâneo, existe cada vez menos espaço para elas, pois estamos ocupados demais com o consumismo. Além disso, a tecnologia tornou as relações cada vez mais efêmeras, deletando sem cerimônia as mensagens, relações e desejos.
       As 52 cartas escritas por Edith Piaf entre novembro de 1951 e setembro de 1952 foram leiloadas em Paris em junho de 2009, por 67 mil euros. O grande mistério, a quem essas cartas foram destinadas, veio à público no ano passado na França, e esse ano no Brasil com o lançamento do livro "As Cartas de Amor de Edith Piaf". O livro chega até nosso país pela editora Amarilys com 16 fotos e um papel rústico como se fosse papel de carta usado. Muito interessante.
       O sortudo era Louis Gérardin, conhecido como Toto, ciclista, campeão do mundo em 1930. No final de 1951, Piaf, arrasada pela morte de Marcel Cerdan e perdida no alcoolismo, se apaixona por Gérardin. Seria Toto a sobrevivência de Cerdan? Creio que sim, pois a cantora arranca violenta: "Eu te amo com toda a força da minha alma, do meu coração e da minha pele, não haverá nada atrás de ti, eu quero que tu sejas o único." Alma, coração e pele. A trindade piafiana despejada em páginas de caderno. Ao diabo as vírgulas, as nuances. É a hemorragia, interrompida nos pontos de exclamação. Espantosos exercícios de "ventriloquia fusional", como observa Cécile Guilbert no prefácio do livro.
        A parte que mais me chamou a atenção nesse confessionário   é a imensa vontade de Edith levar uma vida normal aos 36 anos. Ela imagina o casal em uma lar com "belos lençóis, coberta de mesa", "cabideiros oblíquos"; ele terá um armário com seus sapatos e todos os utensílios para encerá-los. Ela previu até mesmo uma pequena farmácia. Piaf dá tudo. Mas narcisicamente ela quer tudo receber. Tudo o que ela perdeu: um pai, Louis Gassion, que foi sua única família e que Toto deve substituir. E certamente uma criança ( sua pequena Marcelle tinha morrido de meningite aos 2 anos). Ela sonha que esse bebê seja acima de tudo de Louis Gérardin.
        Piaf diz que ela era virgem antes de conhecer Gérardin. A artista faz de nós voyeurs, literários, mas voyeurs. Existe algo de sacrilégio em ler a vida íntima de dois amantes. Piaf não iria gostar que escavássemos sua vida até esse ponto, pois não deixou essas cartas para a posteridade. Eu conservo esse livro na minha biblioteca, espreitando pequenos fragmentos. Eu a respeito muito para abrir demais as gavetas da sua cômoda.

 As Cartas de Amor de Edith Piaf/ Ed. Amarilys/172 páginas/2012/ R$ 39,00
 
      Essa canção "Plus Bleu que Tes Yeux", Piaf fez em dedicação à Louis Gérardin. O livro no França se chama "Mon Coeur Bleu".
 

Louis Gérardin
 Des lettres inédites de la môme Piaf
          
 
      






8 comentários:

  1. Bonjour Dr. Ziyad,

    Gostei desse texto! Recomendei teu blog lá no ASD(Aguinaldo Silva).

    Lembra quando assistimos em São Paulo aquele filme dela que não lembro agora jeito nenhum o nome do filme? (risos)

    Não esqueças de figuras francesas importantíssimas da Filosofia.

    Um abraço!

    Dr Ganso

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    1. Ganso...Conforme respondeu o Nobre abaixo, no Brasil o filme se chamou "Piaf. Um Hino ao Amor". Abraço, Ziyad

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  2. Tu estás falando em "La Môme" (no Brasil chamado de "Piaf - um hino ao amor", Ganso?

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  3. Boas noites.

    Não faz muito tempo comentei lá no Portal Silva um certo dilema, pois tinha de escolher um filme para ver num Domingo lindo e calmo. O filme que escolhi foi justamente esse da Piaf.

    Well, pensando melhor, não sei se comentei, risos esquecidos. Porém esse meu dilema virou uma crônica que talvez seja publicada lá, ou no meu feicibuqui, ou no raio que o parta ou em nenhum lugar mesmo (é intimista, discreto e nada a ver com o que normalmente escrevo).

    AFFF MARIA!

    A criatura vem aqui de curiosa (o dono desse blog pode reclamar com o culpado desse meu comentário desnecessário e intrometido: seu Ganso, que foi lá, fez propaganda e atiçou minha curiosidade!), lê o texto, decide comentar para elogiar a qualidade e pertinência - xikipracaramba essa palavra, né? risos - do mesmo e termina fazendo o quê? falando de si mesma!

    Nem eu me aguento!

    Bom, melhor eu parar com tanta bestagem, tanta exclamação e etc e ir direto ao ponto: gostei do texto, do tema e ainda me deixou pensativa.

    Cruel, cruel. Of course ela tá morta e blábláblá. Entretanto continua cruel o fato das cartas terem sido leiloadas.

    E já decidi: meus diários guardados a mil chaves e bem escondidos, eles ou eu toco fogo ou vou deixar por escrito que pobre do xexelento que resolver mexer onde não deve: rogo a maior praga do mundo, volto da baixa da égua se preciso for (daqui a uns 200 anos, of course) pra acabar com as fuça da mundiça que resolver vender-leiloar-dar meus escritos pra lá de pessoais.

    Ainda fosse um quadro, retrato público, móvel, peça de roupa, joias ou algo similar, tudo bem.

    Cartas? Cruel.

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    1. Hhahahahaa!

      eita Lara! Escrevendo genial como sempre!

      Valeu querida!

      Ganso

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    2. Lara...realmente é muita crueldade publicar nossas cartas ou diários sem nossa permissão, ou sem a gente supôr que um dia elas serão publicadas. Por outro lado, nada é mais potente do que "esses textos" que a gente escreve em segredo.
      Obrigado pela visita aqui no blog. Venha sempre aqui e comente!!!! Abraço, Ziyad

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