terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Bernard Fines: um francês abrasileirado



      Nessa última sexta-feira, dia 22/02, fui ver Bernard Fines no All of Jazz. Fines cantou acompanhado de um trio. A noite reservou um repertório francês em ritmo de jazz, bossa nova com sotaque dos Pirineus, e inclusive alguns clássicos brasileiros cantados na língua de Victor Hugo. Sentir de perto Bernard Fines soltar “Meu Bem Querer” de Djavan em francês traz muita paz. 
      Enquanto Fines cantava, eu tentava adivinhar como veio parar em nosso país. Sem material sobre ele, comecei a inventar a sua história. O bisavô era português que migrou para Recife, tornou-se um latifundiário, se envolveu com uma índia e tiveram quatro filhas. Uma delas, a avó de Bernard, conheceu um francês pagão cuja penalidade, por não ser católico, era morar numa colônia na América do Sul. Ambos embarcaram para Toulousse quando a pena foi revogada. Duas gerações após, o neto se forma em antropologia e, influenciado pelos estudos de Lévi Strauss, retorna ao Brasil para se conectar com a matriz da avó cabocla. 
      Em poucos instantes, devolvi com facilidade um passado ao artista cuja vida eu tentava encaixar numa lógica, como se eu tivesse abortado em mim “as linhas de fuga” deleuziana. Após uma taça de champagne, a gente pode criar qualquer coisa. Quase pedi uma dose de vinho verde depois. Ando cercado de Pernambuco no último mês. Estou no meio da leitura de “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freyre, iniciando-me na linguagem nativa de “Boi sem Asas” da escritora Nina Maniçoba (de Floresta-PE) e sacudido com a recente descoberta de Kleber Mendonça Filho (diretor do filme “O Som ao Redor”). Preciso conhecer com urgência Recife e suas pontes abençoadas de gente interessante. 
      Ao final da apresentação, o depositário de todas as minhas confabulações sentou-se à nossa mesa. Teria sido essa uma atitude para desmontar a minha imaginação? Naquela hora, pude entrar em contato com o mundo real, concreto, único lugar onde as coisas se tocam de mentira. A sensação produzida pela arte pode, às vezes, ser a nossa única verdade. Na proximidade com monsieur Bernard, ele mostrou o quanto é simpático, nem parece francês. Confessou que a alegria das pessoas no Brasil é a parte mais atraente. Um povo sorridente, apesar dos problemas. Ao me lembrar da sua interpretação de Djavan, cheguei a pensar que o cruzamento não foi com uma índia, mas havia sangue negro esparramado. Eu me esforçava para dar corpo à história que eu tinha inventado minutos 
antes. 
      O músico contou-me, ao final, que veio morar no Brasil para trabalhar como engenheiro no Paraná, mas sempre foi um apaixonado pela riqueza da música brasileira, sobretudo por Caetano Veloso, Tom Jobim, Milton Nascimento e Chico Buarque. Comentou o quanto a música brasileira é vasta em acordes. 
      Bernard Fines é prodigioso em fazer acordos com acordes. Um francês disfarçado de mestiço, sintetizando toda a pluralidade de encontros. Um casamento que deu certo. Só faltou o cartório. Où est le maire ?

BOI SEM ASAS, de Nina Maniçoba Ferraz, Dobra Editorial, 2012


















segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Bernard Fines no All of Jazz





    Bernard Fines é nativo de Toulouse. Mudou-se para o Brasil em 1992 para trabalhar como engenheiro. Em 2003, deu início à carreira como músico profissional. Cantor, compositor e músico (toca piano, violão, contrabaixo). Enquanto que para Proust os belos livros estão escritos numa espécie de língua estrangeira, é na língua materna que Fines começa registrando a intensidade do encontro, ao interpretar clássicos de sua pátria com arranjos de jazz.
    Bernard lançou em 2008 o CD “Sous le Ciel de Paris” (Delira Música) onde canta renomadas canções como La Bohème (Aznavour), Que reste-t-il de nos amours (Charles Trenet), Ne me quitte pas (Brel), Comme d’habitude (Claude François), C’est si bon (Yves Montand), Les feuilles mortes (Jacques Prévert), etc.

    Bernard Fines & Júlio Bittencourt Jazz Trio se apresentam nessa sexta-feira, dia 22 de fevereiro, às 22 h 30 min , na casa All of Jazz. O local é bastante enxuto, acomoda 50 pessoas sentadas em um único e pequeno salão, proporcionando um clima mais intimista entre quem toca e quem ouve. No andar superior, há uma sala recheada de CD’s só de jazz e bossa nova, com três mil títulos à venda. Antônio Augusto Deleuse, dono do bar, diz que “quanto aos CD’s, compro e ponho à venda os que quero para mim.” Deleuse, ex-engenheiro da Rhodia, uma vez me falou, brincando é claro, que sonhava em abrir um bar onde ele pudesse beber sem pagar. Um devaneio que tem marcado a diferença na Vila Olímpia há 18 anos.


Bernard Fines e Júlio Bittencourt Jazz Trio
French Jazz
Sexta-feira 22/02/2013 às 22 h 30 min


All of Jazz

Rua João Cachoeira, 1366
Vila Olímpia
São Paulo - SP

Reservas pelo telefone: 3849-1345






quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Uma Música Contra uma Guerra






"Quand on n'a que l'amour Pour parler aux canons
Et rien qu'une chanson Pour convaincre un tambour" Jacques Brel
"A desterritorialização enfraquece o reinado da arte em oposição à vida, 
promove o encontro entre vida e arte, 
onde uma e outra se tornam indiscerníveis." Deleuze





     Jacques Brel, apesar de uma infância e juventude burguesa em Bruxelas, cantava os pobres, os tímidos, os frustrados, os desesperados, os vencidos, proclamando que toda a gente precisa de ternura.
     Em 1956, enquanto se acentuava a Guerra de Independência da Argélia, Brel escreve “Quand on n’a que l’amour”, que testemunha a própria oposição do cantor à guerra. Ao pequeno belga que leu na escola Victor Hugo e Albert Camus, não faltou imaginação para dar voz aos oprimidos do norte da África.
     Nessa canção, observa-se a técnica de canto utilizada por Brel, o crescendo, onde se aumenta progressivamente o volume e a dinâmica da canção. Em “Quand on n’a que l’amour”, o seu crescendo e final explosivo serão retomados em outras composições e ficarão conhecidos como “crescendo brélien”. A soberania de uma voz e de um violão nos convocam, no último verso dessa música, para a grandiosidade da ternura. Alors sans avoir rien Que la force d’aimer, Nous aurons dans nos mains Amis, le monde entier





Quand on n'a que l'amour
Paroles et Musique: Jacques Brel 1956 autres 


Quand on n'a que l'amour À s'offrir en partage Au jour du grand voyage Qu'est notre grand amour Quand on n'a que l'amour, Mon amour toi et moi Pour qu'éclatent de joie, Chaque heure et chaque jour. Quand on n'a que l'amour Pour vivre nos promesses Sans nulle autre richesse Que d'y croire toujours Quand on n'a que l'amour Pour meubler de merveilles Et couvrir de soleil La laideur des faubourgs Quand on n'a que l'amour Pour unique raison Pour unique chanson Et unique secours Quand on n'a que 'amour Pour habiller le matin Pauvres et malandrins De manteaux de veloursQuand on n'a que l'amour À offrir en prière Pour les maux de la terre, En simple troubadour Quand on n'a que l'amour À offrir à ceux-là Dont l'unique combat Est de chercher le jour Quand on n'a que l'amour Pour tracer un chemin Et forcer le destin À chaque carrefour Quand on n'a que l'amour Pour parler aux canons Et rien qu'une chanson Pour convaincre un tambour Alors, sans avoir rien Que la force d'aimer, Nous aurons dans nos mains, Amis, le monde entier