segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Jantar com Piaf em São Paulo

   


O melhor da Gastronomie Française com o melhor de la musique


        Querem jantar nesse final de semana um cardápio francês com a melodia francófona na beira do ouvido? Recomendo a todos o jantar "Uma noite com Piaf" que acontecerá nessa sexta-feira, dia 26 de outubro, no Orbacco, um espaço gastronômico no Sumarezinho. O evento será embalado pela cantora Sônia Andrade que interpretará o repertório de Edith Piaf ao som do acordeon de Tadeu Romano. Uma das poucas oportunidades de se ouvir a voz cativante de Sônia embalada pelo acordeon de Tadeu que nos transporta para uma época mais artesanal onde a lágrima e o aplauso tomam o lugar de um mundo cheio de fraudes.      
         Eu já fui duas vezes nesse evento e o recomendo bastante. O jantar preparado pelo chef Luis Felipe Calmon é para inglês ver (nem preciso dizer que o local é uma escola de gastronomia). Sou fã número um da Sônia desde quando a conheci em 2010, essa mineira que morou em Montpellier e parece ter o sangue todo substituído por vinho rouge quando canta, tal a força de sua interpretação. O agenciamento com o acordeonista não esconde a pureza de um encontro, num ambiance que nos conecta com o que há de mais genuíno em nós, a pluralidade do mistério.


Uma Noite com Piaf
26/10/2012 às 20 h 30 min Orbacco Espaço Gastronômico
Rua Cuxiponés, 125
Sumarezinho
(11) 3873-0098



segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Francesa no Morro

Et Michele dans Mon Coeur

        
          Hoje, na noite de 8 de outubro de 2012, faz quatro anos que eu e a Michele começamos a namorar lá no último andar daquela comedeira do SESC Avenida Paulista .Nos casamos no ano passado. Em homenagem a ela, vou postar esse conto real, autobiográfico, que aconteceu com a gente em junho de 2010 quando nos apresentamos no Coral da Aliança Francesa.




"FOTOGRAFIA"

Pensei que eu não tivesse mais idade para isso.
     Era o Festival de Música Francesa no teatro da Aliança. Naquela noite de sexta-feira de junho de 2010, seria também a estréia do recém criado coral da Aliança. Nele, eu debutei ao lado de Michele.
     No prévio aquecimento vocal, o meu sangue no coração na temperatura que a água ferve nas grandes altitudes, a respiração precisou ficar mais acelerada para compensar o ar rarefeito aqui nas alturas, o suor das mãos eram as lágrimas que não conseguiam escorrer pelo canto esquerdo da órbita, além de uma espera sem fim que é a forma como um filho muçulmano aguarda pela visita do papai Noel na noite de Natal quando se é criado no maior país católico do mundo.
      A exibição era a esperança reeditada de um menino em cuja escola deixou de existir o coral quando ele completou a idade mínima para ser admitido. Na infância, tinha apenas seis ou sete anos e via seus contemporâneos de dez anos cantando melodias que lhe ameaçavam desvelar novos mundos. E talvez novos monstros também. A irmã de onze anos dizia que nunca tinha sido aceita no grupo de cantores do colégio, porque tinha a voz rouca, e eu meramente acatava essa explicação. Eu era pequeno demais para entender a justificativa. Menor ainda para duvidar dela. Meramente aceitei com a resignação dos anjos falhados a história que me era narrada.
     Ao lado da regente, dos meus colegas e da Michele, saímos da sala de treinamento no segundo andar e descemos as escadas que se espichavam para dar a dimensão de Mont Blanc. Separei-me da Michele, já que as mulheres iriam entrar pelo lado esquerdo do auditório, e nós, pelo direito. Ao pisar no tapete vermelho dessa ópera de Paris, senti os meus pulsos bailarem confusamente nos meus punhos. Faz uma vida que eu sequer sentia os meus pulsos. A sola direita do meu pé formigou, enquanto a esquerda se recusava a formigar e era ela quem sustentava todo o resto do meu corpo agora. Sempre preferi ser sustentado por qualquer coisa de direita. Político de direita, ideologia de direita, perfil direito de Deus. Agora é a minha mão direita quem escreve esse texto. Não andava mais em linha reta. Os espectadores seriam capazes de jurar que eu tinha esvaziado aquelas taças de chamapagne na antessala do teatro. Juro que cheguei cedo ao prédio e elas já estavam vazias, aguardando o término da apresentação para aí então receberem o líquido borbulhante que lembraria aos convidados que o ser humano foi feito com quatro doses de champagne a menos.
     Dei passagem aos demais colegas para adiar ainda mais a expectativa. Entrei sur scène como uma criança que vai enfim em busca de seu retardado presente. Lá de cima, o teatro se transformava num templo onde os querubins de gesso emolduravam seus rostos para se concentrarem na música, e a platéia de rostos humanos era pura nostalgia.
     Eu era o legítimo menino procurando pela mãe na platéia. Ela não pôde estar aqui essa noite. A mãe já tão borrada não apenas pelas nossas geografias, mas também pela distância no tempo. Os senhores da direita eram meus contemporâneos da escola, disfarçados de trinta anos mais envelhecidos do que eu. Se o avô de Jean Paul Sartre se orgulhava de que o pequeno Poulou se balançava ao som de uma colher mexendo numa xícara, anunciando “ele tem ouvido”, eu pelo contrário nasci sem ouvido. Eu era o mais desafinado no coro. E o mais feliz também.
     Já que Assis Valente foi capaz de fazer uma francesa subir o morro e adentrar num terreiro de macumba na canção “Tem Francesa no Morro”, eu por outro lado me inaugurava através da dança dos lábios e da excitação dos pulmões, respirando a cultura francesa que tanto fertilizou o imaginário do meu povo, me incitando a estudar francês sozinho em casa aos doze anos. Antigamente, toda família síria ou libanesa tinha um piano para enfeitar a entrada da casa, mesmo sem nunca terem tocado. Era chique parecer francês naquela época.
     Cantamos três cânones, além de uma música do Haiti em francês crioulo. Como pôde uma nação tão abalada como essa criar uma música tão sublime assim? A criação humana sempre negligenciou a miséria social. Por alguns minutos remamos em direção à praia natal desses companheiros latinos, tomando emprestados o barqueiro e a audácia deles. Os haitianos me asseguraram de que eu não me afogaria. Caso esquecesse a letra, bastaria fazer mímica ou careta.
     A última vez em que eu tinha estado num palco foi há oito anos quando meu pai subiu para me entregar o diploma de Medicina. Todo mundo tinha que subir mais vezes num palco para saber como é isso. Cinco anos após esse evento onde meu pai afirmou ter ali cumprido a sua missão prá valer, ele decidiu voar para sempre sobre os tetos de Damasco e as cúpulas douradas de suas mesquitas (só se descobre que os tetos de Damasco são coloridos quando se voa a uma distância inatingível pela experiência terrena). Foi ele quem imortalizou em mim uma de suas lições: “Os médicos árabes diziam que a música é o melhor remédio prá alma”.
     Eu me distraía o tempo todo ao encarar a Michele. “ Je ferais mieux choisir mon vocabulaire Pour te plaire Dans la langue de Molière.” (1) E dizer que a Michele também tem um nome francês. Parece até que foi tudo de propósito para que as coisas se encaixassem aqui, exceto que a mãe dela quis poupar em um “L”, não permitindo que fosse Michelle. Se a francesa desesperada de Assis Valente subiu o morro e foi parar num terreiro, será que a França respondeu com uma Michele com um “L” só, morena e sensual, que canta em francês crioulo?
     E o que dizer então da Daniela, a regente? Grávida de seis meses, ela tocava aquele coral numa empolgação, num fôlego, numa completude. Quanta vida numa mulher tão coquette que carregava um troféu na barriga!!
     Os querubins aplaudiram sem parar. Confesso que vi até judeus e árabes de mãos dadas na platéia, desfazendo a cena para bater palmas. Os rostos esboçados das mães dos meus contemporâneos cumprimentavam a minha mãe agora ressuscitada atrás da cochia. Teria ela se escondido para não constranger o seu guri?
     Maurice Nahory, diretor geral da Aliança Francesa, nos parabenizou, mas disse que precisávamos ensaiar mais. Os franceses são tão educados.
     Era hora de ser devolvido para o mundo lá fora que me interrogava por onde eu tinha estado por alguns minutos.
     - Senhor juiz, eu juro que só estava no Coral da Aliança.
     Receei ser cada vez mais parecido com o meu pai que só pensava em trabalho. Um homem que vivia em dólar. Esse repertório estreito não era culpa dele. A sociedade do espetáculo, toda inundada de coca-cola e carros importados, nos exige cada vez mais o aniquilamento daquilo que é tão genuíno dentro de nós.
     Alguma transformação se processou em mim nessa noite. Mas não vou conseguir contar para vocês qual é. Embora eu seja desafinado e médico tal como Molière, não consigo ser bom escritor como ele. Da mesma forma que a minha voz não se entende com as notas do piano, a minha escrita ainda não alcança a força daquilo que sinto e que é muito maior do que eu. Uma pena que um dia a gente morre.

                  Ziyad Abdel Hadi        junho/2010

 (1) trecho da música For me...formidable de Charles Aznavour






TALVEZ VOCÊ GOSTE DESSES VÍDEOS TAMBÉM:






quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Il Jouait du Piano Debout

Para Jerry Lee Lewis

          
         Gosto muito da música "Il jouait du Piano Debout", interpretada hoje em dia pela Alizée. Quis saber quem é seu autor e descobri que ela foi composta por Michel Berger (1947-1992). Berger foi uma figura importante da cena musical francesa, tanto como cantor, quanto compositor para artistas como France Gall (sua esposa), Françoise Hardy e Johnny Hallyday. 
                Essa canção é vítima, desde seu lançamento, de um mal entendido quanto à sua fonte de inspiração. Berger não fala de Elton John, conforme muitos atribuem, mas do roqueiro americano Jerry Lee Lewis (nascido em 1935) que tocava piano em pé sem hesitar, de um jeito muito "roqueirista", rebolando como Elvis Presley na frente de seu instrumento.
          Michel Berger, filho de uma pianista, iniciou muito cedo seus estudos de piano. Apaixonou-se primeiro por Mozart, e depois, por Beatles, nos deixando paroles cativantes que atestam a sua osmose com a música.





IL JOUAIT LE PIANO DEBOUT (Michel Berger)
Ne me dites pas que ce garçon était fou
Il ne vivait pas comme les autres, c'est tout
Et pour quelles raisons étranges
Les gens qui n'sont pas comme nous,
Ça nous dérange

Ne me dites pas que ce garçon n'valait rien
Il avait choisi un autre chemin
Et pour quelles raisons étranges
Les gens qui pensent autrement
Ça nous dérange
Ça nous dérange

[Refrain] :
Il jouait du piano debout
C'est peut-être un détail pour vous
Mais pour moi, ça veut dire beaucoup
Ça veut dire qu'il était libre
Heureux d'être là malgré tout
Il jouait du piano debout
Quand les trouillards sont à genoux
Et les soldats au garde à vous
Simplement sur ses deux pieds,
Il voulait être lui, vous comprenez

Il n'y a que pour sa musique, qu'il était patriote
Il s'rait mort au champ d'honneur pour quelques notes
Et pour quelles raisons étranges,
Les gens qui tiennent à leurs rêves,
Ça nous dérange

Lui et son piano, ils pleuraient quelques fois
Mais c'est quand les autres n'étaient pas là
Et pour quelles raisons bizarres,
Son image a marqué ma mémoire,
Ma mémoire..

[Refrain]

Il jouait du piano debout
Il chantait sur des rythmes fous
Et pour moi ça veut dire beaucoup
Ça veut dire essaie de vivre
Essaie d'être heureux,
Ça vaut le coup.




segunda-feira, 1 de outubro de 2012

"As cartas de amor de Edith Piaf"

Alma de Piaf é leiloada em Paris


                         Existe algo mais íntimo do que cartas? No mundo contemporâneo, existe cada vez menos espaço para elas, pois estamos ocupados demais com o consumismo. Além disso, a tecnologia tornou as relações cada vez mais efêmeras, deletando sem cerimônia as mensagens, relações e desejos.
       As 52 cartas escritas por Edith Piaf entre novembro de 1951 e setembro de 1952 foram leiloadas em Paris em junho de 2009, por 67 mil euros. O grande mistério, a quem essas cartas foram destinadas, veio à público no ano passado na França, e esse ano no Brasil com o lançamento do livro "As Cartas de Amor de Edith Piaf". O livro chega até nosso país pela editora Amarilys com 16 fotos e um papel rústico como se fosse papel de carta usado. Muito interessante.
       O sortudo era Louis Gérardin, conhecido como Toto, ciclista, campeão do mundo em 1930. No final de 1951, Piaf, arrasada pela morte de Marcel Cerdan e perdida no alcoolismo, se apaixona por Gérardin. Seria Toto a sobrevivência de Cerdan? Creio que sim, pois a cantora arranca violenta: "Eu te amo com toda a força da minha alma, do meu coração e da minha pele, não haverá nada atrás de ti, eu quero que tu sejas o único." Alma, coração e pele. A trindade piafiana despejada em páginas de caderno. Ao diabo as vírgulas, as nuances. É a hemorragia, interrompida nos pontos de exclamação. Espantosos exercícios de "ventriloquia fusional", como observa Cécile Guilbert no prefácio do livro.
        A parte que mais me chamou a atenção nesse confessionário   é a imensa vontade de Edith levar uma vida normal aos 36 anos. Ela imagina o casal em uma lar com "belos lençóis, coberta de mesa", "cabideiros oblíquos"; ele terá um armário com seus sapatos e todos os utensílios para encerá-los. Ela previu até mesmo uma pequena farmácia. Piaf dá tudo. Mas narcisicamente ela quer tudo receber. Tudo o que ela perdeu: um pai, Louis Gassion, que foi sua única família e que Toto deve substituir. E certamente uma criança ( sua pequena Marcelle tinha morrido de meningite aos 2 anos). Ela sonha que esse bebê seja acima de tudo de Louis Gérardin.
        Piaf diz que ela era virgem antes de conhecer Gérardin. A artista faz de nós voyeurs, literários, mas voyeurs. Existe algo de sacrilégio em ler a vida íntima de dois amantes. Piaf não iria gostar que escavássemos sua vida até esse ponto, pois não deixou essas cartas para a posteridade. Eu conservo esse livro na minha biblioteca, espreitando pequenos fragmentos. Eu a respeito muito para abrir demais as gavetas da sua cômoda.

 As Cartas de Amor de Edith Piaf/ Ed. Amarilys/172 páginas/2012/ R$ 39,00
 
      Essa canção "Plus Bleu que Tes Yeux", Piaf fez em dedicação à Louis Gérardin. O livro no França se chama "Mon Coeur Bleu".
 

Louis Gérardin
 Des lettres inédites de la môme Piaf